Augusto Salomon é presidente executivo da Associação Brasileira de Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Nesta entrevista exclusiva para a equipe de Comunicação da Cigás, ele aborda diversos aspectos referentes ao mercado de gás natural (GN), entre os quais, perspectivas diante do novo cenário, com um olhar para a região Norte, o papel das distribuidoras na cadeia do gás natural e ainda, uma avaliação acerca da trajetória da Cigás e o seu plano de investimento para os próximos anos. Confira !
ENTREVISTA ESPECIAL
1 – Qual o principal desafio para o desenvolvimento do mercado do gás natural no Brasil e de modo mais específico no Norte, considerando a realidade da região?
Augusto Salomon – O mercado de gás natural tem vários desafios, principalmente com o processo de desconcentração determinado pelo Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado entre Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Petrobras, em julho de 2019, um acordo que orienta uma série de desinvestimentos e de medidas para permitir uma maior concorrência. Essa transição – do monopólio para a abertura – ainda continua sendo um desafio. O processo poderia ser mais célere, especialmente o acesso de agentes privados à infraestrutura essencial.
Mas o maior desafio é estrutural. O mercado de gás só terá plena abertura quando houver mais ofertantes de gás. Para isso, é preciso medidas mais assertivas que sinalizem uma demanda firme para receber esse gás. Novos projetos precisam de uma âncora sólida de consumo com segurança jurídica para os investimentos. 2 – Neste sentido, que caminhos trilhar para se chegar a uma cadeia de gás natural ainda mais competitiva na região?
Augusto Salomon – Um bom primeiro passo foi a aprovação (em 20/05/2021) da Medida Provisória 1031/21, mais conhecida como a "MP da Eletrobras". O texto aprovado, de autoria do relator, deputado federal Elmar Nascimento (DEM-BA), prevê, entre outras medidas, a abertura para a contratação de capacidade de geração a gás natural a partir de 2026, com período de suprimento de 15 anos (conforme art. 19).
Com a abertura para a contratação de capacidade de térmicas a gás natural, em substituição às térmicas mais poluentes a óleo combustível, o País ganha um sinal assertivo para estimular a construção de infraestrutura essencial, uma vez que a termogeração a gás representa uma âncora de consumo para estimular a oferta desse energético. Uma das prioridades da contratação é justamente a região Norte. Acreditamos que, caso aprovada no Senado Federal e sancionada pela Presidência da República, essa medida poderá representar um sinal para ampliar a atratividade dos investimentos, com um prazo de implementação a partir de 2026, que é um tempo ideal para a maturação e a construção de projetos em todos os elos da cadeia. Essa é uma medida efetiva para impulsionar o mercado de gás no Amazonas, estimulando o aumento da produção onde estão os mais relevantes campos onshore (em terra) no País. 3 - Na sua opinião, a expertise das distribuidoras, como a Companhia de Gás do Amazonas (Cigás), é um diferencial em se tratando do desenvolvimento do mercado diante deste novo cenário mercadológico?
Augusto Salomon – Com certeza. As distribuidoras têm um papel importantíssimo na cadeia de gás natural. Têm a função não só de implantar redes, gerir a carga, a operação, a manutenção e o atendimento. Mas de distribuir essa fonte de energia com qualidade, eficiência e segurança. São elas que atuam na linha de frente com os clientes, que identificam as necessidades, que desenvolvem de fato o mercado com novas soluções, e soluções customizadas. E é sempre oportuno dizer que as concessionárias atuam de forma regulada. São fiscalizadas, têm metas a cumprir e atuam com transparência. O setor de distribuição precisa ser visto como o agente que realmente faz a roda do mercado girar, com compromisso efetivo com a universalização dos serviços de gás canalizado e com a segurança energética. Nos últimos 10 anos, por exemplo, a rede de gasodutos de transporte não teve expansão, ao passo que a rede de gás canalizado foi duplicada em todo o País. A Cigás é uma das associadas da Abegás que vêm contribuindo para levar as vantagens do gás natural a mais clientes.
4 – A Cigás é relativamente jovem no mercado, se comparada a outras distribuidoras do País, com apenas 10 anos operando comercialmente. Como o senhor avalia a trajetória da concessionária, que já investiu expressivos R$ 578 milhões na expansão da Rede de Distribuição de Gás Natural no Amazonas e atinge mais de 5,3 mil unidades consumidoras (clientes)?
Augusto Salomon – A Cigás completou recentemente 10 anos de operação e os resultados são admiráveis. Não seria exagero dizer que sua atuação é decisiva para a competitividade da economia amazonense, uma vez que a distribuidora atende 52 empresas no Polo Industrial de Manaus. Muitos dos produtos que os brasileiros consomem no dia a dia têm participação direta do gás natural distribuído pela concessionária. Mas o mais interessante é que a Cigás tem sido bastante proativa para levar os benefícios dessa fonte de energia a outros segmentos. O destaque é o GNV – a Cigás tem um trabalho consistente, há muitos anos, na promoção do uso desse combustível seguro e econômico, principalmente entre motoristas de táxi e de aplicativos.
Mas o que mais vem me chamando a atenção é o investimento em desenvolver o mercado comercial e residencial, com o plano de atender mais 21 mil novos clientes até 2025, em um investimento global de R$ 786 milhões no Estado. É um aporte muito expressivo. Poucas empresas no setor de energia têm um plano de investimento tão ousado – a infraestrutura de rede canalizada será duplicada, passando a 310 quilômetros de dutos. E o mais importante: com eficiência e segurança nas operações, o que pode ser atestado, por exemplo, na revalidação dos selos ISO 9001 e 14001. 5 – A busca por soluções energéticas mais limpas como forma de reduzir os efeitos dos gases poluentes, na natureza, coloca o gás natural como uma relevante alternativa. Como avaliar os benefícios da operacionalização da distribuição do gás natural? Augusto Salomon – O gás natural, em todo o mundo, vem tendo papel relevante para a transição para uma economia de baixo carbono. Por ser a mais limpa das fontes de origem fóssil, o gás natural é visto como uma alternativa de energia firme, resiliente, e que emite menos dióxido de carbono (CO2), um dos principais vilões do aquecimento global. Outra vantagem é dar respaldo ao crescimento das energias renováveis, mas intermitentes como as fontes eólica e solar-fotovoltaica.
É ainda uma energia que tem bons serviços no País, ao longo das três últimas décadas, em especial nos segmentos que mais consomem – o Industrial e Termoelétrico. Já são mais de 3.500 indústrias usando gás natural. Sem essa opção, muitas delas estariam queimando óleo combustível, diesel ou carvão. No segmento automotivo, o gás natural também é uma alternativa para melhorar a qualidade do ar, uma vez que sua queima é praticamente livre de poluentes nocivos à saúde. Essa é uma tendência relevante, uma vez que nações como Reino Unido, França e Alemanha já instituíram limites para a venda de veículos movidos a diesel e gasolina, considerados os vilões do aquecimento global e que contribuem significativamente para a emissão de gases causadores de efeito estufa (GEE).
Um estudo realizado, em 2019, pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade mostra que a substituição da frota de metade de ônibus a diesel por veículos a gás natural, num período de cinco anos, nas RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) e RMRJ (Região Metropolitana do Rio de Janeiro), seria capaz de evitar mais de 10 mil óbitos. Esses números mostram como o gás natural pode ter um reflexo positivo para gerar valor para a sociedade. Na região Norte, que tem características logísticas distintas do País, o gás natural será fundamental para substituir combustíveis mais poluentes, como o diesel. E a Cigás tem papel importante nessa jornada ambiental.
6 – A Cigás também tem conquistado destaque no campo da inovação tecnológica, inclusive com prêmios nacionais, como ocorreu com o projeto Tachão Inteligente. Que caminhos seguir para fomentar a adoção de novas tecnologias no segmento de gás natural?
Augusto Salomon – Esse projeto é um exemplo de como as companhias de gás canalizado têm investido em inovação, gerando valor para a sociedade. Um dos principais desafios na gestão dos serviços públicos locais é a integração entre concessionárias de água, energia elétrica e as empresas de telecomunicações. Antes de iniciarem obras de intervenção em suas redes, nas ruas e avenidas da cidade, essas companhias, bem como os órgãos municipais e estaduais de infraestrutura, precisam de acesso aos dados em campo para evitarem incidentes que coloquem em risco a integridade dos ativos, a rotina de atendimento e a segurança de operações.
Nesse sentido, desenvolver um tachão com QR Code, que permite o acesso aos dados cadastrais de gás canalizado, é uma ideia simples e ao mesmo tempo genial. As melhores inovações são as que efetivamente chegam ao mercado e que proporcionam benefícios reais para as pessoas. No Brasil, há outras distribuidoras que vêm investindo em inovação com sucesso, algumas por intermédio de programas de P&D. E a Abegás, em seus comitês técnicos, tem justamente a função de promover o intercâmbio com as melhores práticas, disseminando conhecimento. Temos a vantagem, no setor de distribuição, de ser um setor em que as empresas jogam juntas. A conquista de uma é a conquista de todas.
Esperamos que os governos federal e estadual deem cada vez mais estímulos à inovação tecnológica no setor de gás, com projetos que integrem a expertise dos profissionais das concessionárias em parceria com as universidades, centros de pesquisa, fundos de amparo, bancos de fomento e OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Para isso, é importante compreender a relevância do equilíbrio econômico das concessões para que as distribuidoras tenham fôlego para investir tempo e dinheiro nessas contrapartidas. Quem tem a ganhar é a sociedade, com serviços cada vez melhores. 7- Qual a perspectiva da Abegás para este ano ainda marcado pela pandemia?
Augusto Salomon – Esse período tem sido muito desafiador e tem exigido diversas ações no campo regulatório e legislativo do setor. Apesar de a pandemia ainda estar em curso, com o aumento da vacinação haverá uma gradual retomada da atividade econômica, o que demandará maior consumo energético. Nesse cenário, com o País sofrendo uma nova crise hídrica, seguramente será necessário o uso de gás natural para despachar as térmicas, plantas de cogeração e outras atividades que possam utilizar gás natural comprimido (GNC) ou gás natural liquefeito (GNL) em substituição ao óleo diesel, provendo a segurança energética de que o Brasil precisa.
A Abegás seguirá trabalhando nas questões estratégicas para o desenvolvimento do setor, como a proposta de um leilão para aquisição de gás pelas distribuidoras e consumidores livres, com entrega em cinco anos, que poderá ser um sinal para os produtores investirem em projetos que monetizem o gás do pré-sal e da região amazônica.
*Agradecimentos à assessoria de Comunicação da Abegás.
**Fonte original de divulgação da entrevista: Cigás Informa
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